Ex-votos Pictóricos
Ex-votos mexicanos. Acervo do Museo de Arte Popular Americano Tomás Lago.









Análise Iconográfica
Descrição geral
Ex-voto pictórico que retrata a cena de um acidente em um teatro, no qual a parte superior desaba, provocando a queda e ferimentos em várias pessoas.
O retablo traz, na parte inferior da composição, em primeiro plano, a legenda descritiva em espanhol:
“Em Noviembre de 1931, y em el derrumbe de um palco em um salón de espectáculos, quedó la Sra. Maria Ortega bajo de la palizada caída resultando com muy dolorosas y graves contusiones, pero por um patentemilagro del Santo Cristo de Limpias, a quien invocó, está a la fecha casi restablecida y le da fervientes gracias. Morelia, Eneiro 9 de 1932.”
A legenda apresenta o agradecimento da Sra. Maria Ortega pelo milagre de ter escapado com vida do acidente, em que ficou presa embaixo dos escombros com contusões graves e dolorosas. No momento do acidente, pediu a intercessão do Santo Cristo de Límpias. A Sra. Maria Ortega recuperou-se e agradeceu fervorosamente ao Santo, com a materialização do agradecimento neste ex-voto, com data de 9 de Janeiro de 1932 na cidade de Morelia – México.
Acima da legenda estão dois momentos distintos do acontecimento: do lado esquerdo está representado o acidente e do lado direito o momento posterior: o agradecimento pela graça recebida.

A imagem da esquerda foi registrada em cores quentes com a predominância do vermelho, o que dá ênfase ao caos que foi instaurado após o acidente. Uma grande quantidade de pessoas se encontra no local, que se assemelha a um teatro. No primeiro plano, existe uma fileira de pessoas que olham para cima, a maior parte delas se encontra sentada.

Um homem à esquerda está de pé, vestido com paletó preto, seus braços estão abertos. Ao seu lado, sentada está uma mulher com traje vermelho e cabelo em coque.

O centro do salão tem um piso de madeira ripada clara, e está vazio. No segundo plano, pode-se observar dois homens de pé, a frente de outra parte do público do espetáculo. O homem da esquerda está vestido de terno preto, calça sapatos pretos. A forma como está retratada a sua linguagem corporal (pernas ligeiramente abaixadas, corpo inclinado para esquerda, braços entreabertos, face voltada para esquerda) passa uma mensagem de intenção de fuga. O outro homem de pé, à direita, usa calça e paletó azuis, possui um cinto marrom e calça sapatos marrons. Seu braço direito está estendido para o lado e apoiado na balaustrada que está por trás. O esquerdo está estendido para baixo. A balaustrada separa a área central do teatro da outra parte do público.

Duas colunas em estilo grego sustentam o piso superior. É neste piso que ocorre o acidente. Existem mais duas colunas sustentando um terceiro pavimento, e é este que desabou. Destroços pendem do teto, e dois homens estão caindo do terceiro pavimento. Dois outros homens estão sentados na balaustrada deste andar. Uma mulher foi atingida por uma ripa de madeira e se encontra vestida com roupa verde, provavelmente a Maria Ortega.

O outro momento descrito está representado no lado direito da placa, é o agradecimento.
Existe um contraste de coloração entre as duas cenas. Tons mais claros sobressaem nesta parte, a coloração em tons pastéis envolve o ambiente com suavidade e provoca o contraste com o lado oposto. A imagem do Santo Cristo de Limpias predomina na parte superior, reproduzido como um quadro; com moldura marrom e paspatur de cor rosa claro. A imagem apresenta o torso nu, está crucificado e com coroa de espinhos. Seus olhos estão direcionados para cima.
Logo abaixo está um casal ajoelhado. O homem no lado esquerdo está de costas para o observador e usa paletó marrom e calça preta. A Sra. Maria de Ortega veste um vestido longo verde, e um véu preto. A mão direita segura um terço e a esquerda uma vela acesa. Sua face está voltada para o santo.
Na parede ao fundo, está a assinatura do autor do ex-voto pictórico: A. Murguia
Análise iconológica
O ex-voto foi documentado no Museo de Arte Popular Americano Tomás Lago no Chile e é proveniente do México da cidade de Morelia.
Os objetos musealizados são retirados do seu contexto original, que no caso específico deste ex-voto seria uma igreja, santuário ou sala de milagres, e são inseridos em exposições dentro de um ambiente museal. A partir disso, os objetos musealizados ganham uma nova significação, que vai depender da curadoria proposta para a exposição, e da composição expositiva que foi elaborada com outros objetos; que podem ser outros ex-votos ou objetos diversos. O ex-voto, a partir da musealização, ganha outros significados relacionados com um objeto de arte.
“O objeto de museu – que não significa meramente o objeto em museu – como objeto musealizado, passa a adquirir um estatuto museológico. Tal conversão, do contexto ordinário da coisa ao universo simbólico do museu, implica um processo corolário de ressignificação para que o primeiro, detentor de sentidos em seu contexto precedente não- -museal, adquira sentido no novo ambiente. (BRULON, 2016 p.108)
Este ex-voto apresenta elementos tradicionais de uma composição deste estilo:
- A posição da legenda na estrutura estética da placa, na parte inferior,
- A temática abordada que é relacionada a acidentes,
- A presença em destaque do santo de devoção.
A originalidade recai na representação dos dois momentos do acontecido: a hora do acidente e o momento posterior do agradecimento, registrando a temporalidade com a consequente passagem de tempo durante o processo.
A cena narrativa foi representada com uma riqueza de detalhes, o que permite ao observador a interpretação do momento do acidente. Todo este detalhamento registrado, descreve a estrutura dos teatros da época, a indumentária das pessoas, além de fazer referência aos hábitos culturais. Por outro lado, demonstra a religiosidade e fé popular.
A presença de ex-votos em museus e salas de exposição, amplia mais ainda o alcance destes testemunhos para além do público romeiro e devoto, e ainda permite análises fora do contexto da religiosidade.
Referência Bibliográfica
BRULON, Bruno. Re-interpretando os objetos de museu: da classificação ao devir. Transinformação, [s.l.], v. 28, n. 1, p. 107-114, abr. 2016. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/2318-08892016002800009
Por Fernanda A. Camelier Mascarenhas – Assistente de Pesquisa – Voluntária/ PIBIC