São Sebastião, Padroeiro dos LGBTQIA+

”[…] É tanto uma figura de desejo, por seu corpo musculoso e atraente, quanto um semelhante que foi violentado e morto por ser quem era.” (FERNANDEZ, 2001)

Acervo NPE

Iconografia 

Escultura kitsch, policromada, apresentando avarias na camada pictórica. Figura escultórica de São Sebastião, de pé, trazido com corpo amarrado em um tronco sem folhagens. São Sebastião, de carnação rósea clara, é representado com o seu corpo tenso e nu, tendo apenas um perizônio de coloração vermelha que cai da cintura à altura dos joelhos. Braço esquerdo erguido e parcialmente flexionado acima da cabeça. Braço direito atrás das costas. O santo possui cabelos castanhos claros e lisos, que caem à nuca e cobrem as orelhas. Seus olhos são de coloração azul claro. Traz em seu corpo sinais de chagas na altura do ombro direito, peito esquerdo, região abdominal esquerda e sua coxa esquerda. Embora com representação de que demonstra a dor pela tortura e pelos ferimentos, a sua feição aparenta-se singela.

Em 28 de junho de 1969, policiais entraram no Stonewall, bar gay em Nova Iorque, e prenderam e agrediram funcionários e consumidores. Naquela época, apesar da circulação de ideias progressistas na região, as leis contra homossexuais eram rígidas, colocando em risco aqueles que ousavam demonstrar afeto não heterossexual em público. Uma multidão se revoltou e protestou contra a polícia, episódio que se tornou um marco para o movimento, tornando  o dia 28 de junho O Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+.

Essa história de resistência e luta  encontrou identificação simbólica na história de um ícone muito conhecido na cultura católica, o São Sebastião. São Sebastião nasceu em Narbona, na França, no ano de 256 da Era Cristã, o seu nome deriva do grego sebastós, que significa divino, venerável. Ainda jovem, mudou-se com a família para Milão, na Itália, cidade de sua mãe. Alistou-se no exército de Roma e tornou-se o  soldado predileto do imperador Diocleciano. Conquistou o posto de comandante da Guarda Pretoriana. São Sebastião foi um mártir dos primeiros séculos da igreja cristã, por professar e não renegar sua fé em Cristo. Quando sua fé em Cristo foi descoberta, seu chefe condenou-o à morte: seria executado a flechadas. O Santo foi condenado à morte por flechadas por não renegar sua fé. Segundo a historiografia, São Sebastião não morreu pelas flechas, mas sim espancado por soldados romanos, e jogado em algum esgoto de Roma. Todavia, o martírio de São Sebastião foi fartamente representado na Renascença européia, de norte a sul, por artistas como Hans Memling, Antonello da Messina, Giovanni Bellini, Sandro Botticelli, Albert Dürer, entre outros, em sua suposta morte por flechas, seminu, voluptuoso e andrógino (SANTOS 2016). Durante a renascença a imagem de São Sebastião  foi amplamente  erotizada. Nesta perspectiva, torna-se procedente pensar sobre a iconografia religiosa deste santo, bem como sobre as suas diferentes apropriações históricas, inclusive como ícone religioso que adere ao universo cultural homoerótico, principalmente na contemporaneidade artística ( 2016).

Segundo Dominique Fernandez (2001), foi o poema Martírio de São Sebastião (1911), de Gabriele D’Annunzio (1863-1938), posteriormente musicado por Claude Debussy, que fez emergir uma devoção assumidamente homoerótica ao Santo.  Dessa forma, todas as representações do São Sebastião começaram a servir de referência para os homossexuais. É tanto uma figura de desejo, por seu corpo musculoso e atraente, quanto um semelhante que foi violentado e morto por ser quem era.  A representação do São Sebastião é também fruto de uma hibridação cultural (CANCLINI 1990), de processos de apropriação da cultura religiosa pela cultura popular que se expande junto com a auto-compreensão social, cultural e política, primordialmente das minorias.


Este ícone católico transgressor foi incorporado pela cultura LGBTQIA+ como símbolo de resistência e luta, e participa do fortalecimento dos discursos e das apropriações da cultura popular, e também pode ser visto como um veículo de comunicação para produzir e reproduzir reflexões acerca das problemáticas sociais. 

Referências

CANCLINI, Néstor García. La modernidad después de la posmodernidad. In: BELUZZO, Ana Maria de Moraes (Org.). Modernidade: vanguardas artísticas na América Latina. São Paulo: Memorial da América Latina, 1990.

SANTOS, Alexandre.Tensionamentos entre religião, erotismo e arte: o Martírio de São Sebastião. PORTO ARTE. Porto Alegre: PPGAV/UFRGS, v. 21, n. 35, maio 2016

FERNANDEZ, Dominique. L’amour qui ose dire son nom: art et homosexualité. Paris: Éditions Stock, 2001.

Fernández, Leonardo 2005 “Homofobia arruína vidas: não vamos permitir”, diversidade, não. 12, “Direitos Humanos e Minorias Sexuais”, Anistia Internacional, documento mimeografado.

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Coordenador do Projeto Ex-votos
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